A Exigência

Este texto também está disponível n'A Taberna dos Inconformados.

Em 1999, no meu primeiro ano de faculdade, o meu professor de Cultura Clássica estava fulo com os resultados do nosso primeiro teste. Entre outras considerações menos próprias, o professor lançou esta “pérola de sabedoria académica”: “O problema disto é que vocês, no Ensino Secundário, são tratados como atrasados mentais!”. Apesar de termos ficado atónitos com a afirmação tenho de concordar com ela. O nível de exigência era muito superior na Universidade e nós não estávamos habituados. Contudo, esta “avaliação” do secundário continua actual e com tendência para piorar.

Isto tudo a propósito dos resultados dos exames nacionais do 9º e 12º anos que, para não variar, trouxeram más notícias: para além dos erros nas provas de Física e Química, os maus resultados a Português. Em relação a esta última disciplina nunca percebi a distinção entre Português A (leia-se “o Português que até dá para um gajo se desenrascar, e tal...”) e o Português B (leia-se “o Português que não é tão bom como o A, mas um gajo, pá, até faz...). Esta diferenciação entre dois níveis da mesma língua, que é “só” a nossa língua e que todos nós devemos dominar correctamente é demonstrativo da falta exigência a que chegou o nosso ensino. Estamos mais preocupados com as “criancinhas” passarem de ano, em vez de saber se elas sabem as coisas como deve ser. De que vale ter estatísticas favoráveis se os nossos alunos saem do sistema de ensino (muito) mal preparados? De que vale ter um ensino que muda de estratégia como quem muda de camisa e que passa a vida a alterar programas?

A partir de meados da década de 90, com a ascensão do Guterrismo e a sua “paixão pela educação”, as coisas pioraram mais rapidamente. Estes problemas têm décadas. O nosso ensino entrou no processo de “Sampaização” – referente a Daniel Sampaio. As nossas “criancinhas coitadinhas” tinham de passar de ano, mesmo que não soubessem a “ponta de um corno”, relegando a qualidade do ensino para segundo plano. Isto para não falar da indisciplina que grassa nas nossas escolas. Foi a partir desta altura que os professores começaram a ficar sem poderes nenhuns, de maneira a não traumatizar as “criancinhas” – hoje basta um professor espirrar para cima de um aluno para este se jogar para o chão, qual Cristiano Ronaldo a fazer-se aos penaltis...

Já que se fala tanto de números, os sucessivos governos não sabem explicar como é que cerca de 50% dos alunos que entram no Ensino Superior não conseguem concluí-lo. E a esmagadora maioria daqueles que terminam não conseguem arranjar emprego. Tentar compreender os números dos exames nacionais é analisar a ponta do icebergue. Tem de se criar uma linha de rumo para formar alunos bons, apostar (a sério) na Formação Profissional e acabar com este estigma do “país de doutores desempregados” quando temos tanta falta de profissões técnicas.
O resultado final não define o Homem mas sim o caminho que este percorre!

6 Comments:

  1. trugia said...
    Não posso deixar de comentar este post, tão actual como preocupante.
    Fico espantado quando existem turmas de 9º ano "não leitoas". Isso significa mesmo que as "crianças " não sabem ler, mas vão transitando de ano como as restantes, porque atingem objectivos traçados no inicio do ano, como por exemplo: ler as vogai...
    será isso possivel só para manter uma estatistica aceitavel de pessoas com o 9º ano. e será justo para com as outras crianças que se esforçam e ... até sabem ler?
    um abraço
    Abade.anacleto said...
    Amigo RCataluna, escreveste um artigo espectacular. Realmente, Português A e B; doutores aos pontapés pelas esquinas e tudo quanto é canto;um País de semi-analfabetos com 9 anos de escolaridade??!!
    A aposta de futuro é mesmo a Formação Profissional. Os sucessivos governos assim o afirmam; as estratégias para implementar a F.P. são mesmo uma mer..
    Ao que parece a tendência vai aumentar. Estoy cansado de poner cara de comprender y nada entiendo.
    Um abraço.
    MGomes said...
    Como é que se pode falar em Educação e Formação Profissional num país, quando neste se permitiu a abertura de Escolas de Ensino Superiores em que (pasme-se) nem sequer havia homologação prévia dos cursos pelo Ministério da Educação? Durante cinco anos, os alunos lutaram pela criação de alicerces para a sua vida profissionla e no fim das licenciaturas não havia cursos para ninguém. Isto aconteceu em Portugal com a permissão dos que lá estão há mais de trinta anos, sempre com a Pasta da Educação.
    Caro Rcataluna, excelente texto sobre os males do Ensino Secundário e já agora, obrigado pela sua visita.
    Um Abraço
    RCataluna said...
    Trugia:

    Muito obrigado pela visita! Tocou num ponto sensível. Se eles estão tão preocupados com as sequelas psicológicas nas crianças que chumbam, também deveriam estar preocupados com o tratamento (ou falta de atenção) dada aos alunos que se esforçam. No meio de tanto laxismo é muito fácil esquecer e ignorar aqueles que ainda fazem pela vida e deveriam servir de exemplo.
    Abraço!

    Abade Anacleto:

    Muito obrigado! Ao contrário do que este governo preconiza, eles estão a cortar na F.P.. Eu sei porque trabalho no meio. Muitos cursos que davam emprego e saídas foram cancelados por "dificuldades orçamentais". Existe uma obsessão com os computadores, que até é aceitável, mas a oferta da formação não se pode esgotar aqui.
    Abraço!

    MGomes:

    Muito obrigado, não tem que agradecer! Para além do que referiu, neste ano lectivo que se avizinha vai ser implementado o Processo de Bolonha. Muitas universidades vão ter de fazer reestruturações dos cursos. Espero que, desta vez, as coisas sejam feitas como deve ser. Contudo, não estou muito optimista - os alunos universitários e candidatos ao Ens. Sup. não estão devidamente informados. E muitas universidades não fazem ideia do que querem ou vão fazer. Isto é que e grave!

    Abraço!
    Unknown said...
    Pois é! hoje também publiquei sobre este tema :)
    Também me sinto indignada!
    Não fui da altura do Português A e B mas como já passei por dois cursos tive contacto com colegas pós reforma que estavam muito mal preparados (pelo menos a nível da Matemática).
    Como deves saber sou prof. e lido com estas situações diariamente, já que dou aulas a duas turmas de 7º ano não leitores, com necessidades educativas especiais de cariz funcional, e adivinha...
    ... transitaram todos, caso contrário a culpa era do prof que não tinha adequado as competências de forma a que os alunos as atingissem!
    Isto está tudo ao contrário... este ano tive alunos de 9º ano que tinham que fazer 0/2 na máquina...
    RCataluna said...
    Trequita:

    Os professores, mais do que nunca, a ser usados como carne para canhão...

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